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Desapego

A tua ausência gela os contornos molhados do meu rosto. Aqui jaz minha alma, adormecida e recostada num grito incapaz de te tratar pelo nome. Pois seu eu consegui ver, no fundo dos teus olhos, o infinito, porque não olhaste na minha pele a leveza do teu toque?  Calma, que eu já vou indo. Vou indagando o quanto custará fazer-te feliz... mas vou indo. Vou contando os trocos que restam no meu peito, para conseguir andar o resto do caminho. Para onde me leva ele? Para mais um beco, certamente.  Tu já lá vais, ao fundo da rua. Pergunto-me se me levas contigo algum dia, pendurada no teu pensamento como penduras o porta-chaves no fecho da mochila. Para mim nunca partiste. Foi o destino que te arrancou. Foi ele que separou as nossas mãos que ferviam de tanta força com que se agarravam. E que agora secam porque não têm por onde beber.  A tua frieza aquece o vazio do meu ser... Porque pelo menos ela existe... Ser frio não é ser nada. É deixar morrer o que a vida juntou. É suplicar p

Porque se escreve um amor (2)

O meu peito urge Com o Universo do teu esplendor. Meu coração de um fosso surge, Ao sentir chegar o amor. Mas eis que regressa, O que há de mais renegado do meu ser. E o meu sorriso agora cessa, Por ver o nosso amor morrer. Aqui volto eu, de novo para ti, Nesta altivez catártica, Perdida em tudo aquilo que vivi, E lendo por mim mesma Que por amor já eu morri. 

Aos meus avós

Reza a história Que nos apaixonámos novos Que nada apagará da memória Aquele brilho dos nossos olhos. Conta-se por aí, Que fomos contra tudo o que era pecado Que nos deixámos ficar por aqui Na certeza do que era ser amado. Mas sabem lá eles Quanto o coração aperta de alegria Ou o quanto somos um do outro No raiar de cada dia. Porque só nós sabemos As desventuras que partilhámos E as lágrimas que bebemos Para outros rostos ficarem lavados. E só nós podemos Contar os risos que demos a sós Os abraços em que nos perdemos E os dias que foram feitos para nós. Mas a história continuará a ser contada Por aqueles a quem o nosso amor tocou Carinhosamente embelezada Na direcção em que o destino soprou. E o tempo nunca apagará A doçura de cada momento Nem tudo o que partilhámos, lado a lado Desde o dia do nosso casamento.

A teus braços me entrego

Aqui jaz meu pensamento, Iluminado ao luar, Neste eterno lamento De a ti se dar. Visto a minha pele nua Com lágrimas de saudade De quando andámos pela rua De mãos presas p’la vontade. Foi há muito, muito tempo Quando lembrar-te ainda não era pecado E ficavas perdido naquele momento Em que a mim estavas ligado. Agora eu me deito, Com o medo selado de desejo, Sonhando como quem se perde Na doçura do teu beijo.   E assim a teus braços me entrego Nesta aconchegada ilusão E num pano de veludo eu carrego O meu magoado coração. 

Desfibrilhador

Conta-me histórias Que me façam chorar. Planta-me memórias Que me ensinem a amar. Perde-te em dilemas Que me façam arrepiar. Inventa problemas Que me façam pensar. Solta palavras Que me façam rir, Que esvoacem entre lágrimas De uma alma por partir. Não me deixes nesta dormência De um coração que nunca acorda. Poupa essa condolência A um relógio sem corda! Ficarás para sempre leve Se me permitires sentir, Se ao menos por um momento breve, A emoção deixares fluir. Conta-me histórias Que me façam viver. Desamarra as memórias Para a escuridão desvanecer.

Que eu não me deixe adormecer

Que a vida não me deixe adormecer E a noite não me deixe amanhecer. Porque a saudade dói, mas é emoção E a tristeza mói, mas é o coração. Vida não me deixes cair Neste obscuro contentamento. Não deixes a minha alma partir Pela fome de um sentimento. Noite não me deixes secar As lágrimas da frustração, Pois é ela que faz girar Uma nova geração. Que o frio me traga o medo E que a vida não me tire a coragem Para descobrir qual é o segredo Que torna nobre esta passagem. Que se faça da culpa um mero conceito E da alma a nossa voz, Porque a noite é fria por defeito E a vida somos todos nós!

Longe

Talvez a culpa não seja tua. Eu sei que a culpa não é tua. Apenas tentas sobreviver neste mundo deserto, em que estamos todos sedentos de algo que nem sabemos muito bem o que é. Penso que bastava ser algo puro, verdadeiro. Mas a verdade nem sempre é bonita, também tem o seu lado hediondo. Sei que queres tanto como os outros algo que te preencha realmente e que olhe por ti, simplesmente porque quer olhar. O mundo adora a verdade, mas não há ninguém que a aceite por inteiro. E não deixamos que ninguém nos aceite por inteiros, pois não? Será que alguém parou para perguntar quantas pessoas verdadeiras deixamos fugir à procura desse algo real? Aquele real que na irónica realidade não existe. Não em toda essa plenitude de amor e de vida. Isto és só tu a sobreviver neste mundo de loucos. Mas não temos de nos defender sempre de tudo, pois não? Se é para fugir a seguir, para quê vir sequer? Apenas para garantir que ainda cá estava? Eu estou sempre... Quanto a isso podes descansar, porque esta